terça-feira, 7 de abril de 2015

Diploma para jornalista: Uma ideia fora do lugar

Voltar a discutir a exigência de diploma de jornalismo é desnecessário. Não há por que incluir na Constituição a regulamentação da profissão

"Toda pessoa tem o direito de externar suas opiniões por qualquer meio e forma. A associação obrigatória ou a exigência de títulos para o exercício do jornalismo constituem uma restrição ilegítima à liberdade de expressão. Essa atividade deve reger-se por condutas éticas, as quais, em nenhum caso, podem ser impostas pelo Estado."
Esse princípio, extraído da Declaração de Princípios da OEA (Organização dos Estados Americanos) sobre a liberdade de expressão, concebido há 15 anos, merece ser lembrado neste momento em que a Câmara Federal se prepara para votar a Proposta de Emenda Constitucional que restabelece a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista.
Programada para esta terça (7), Dia do Jornalista, a decisão em torno desse tema, conhecido como a PEC do Diploma, exige, porém, que a razão se coloque acima das paixões. O que está em questão é o alcance da liberdade de expressão, não uma questão corporativa.
O ângulo da nova votação da PEC do diploma é o mesmo que aquele já decidido em 2009 pelo Supremo Tribunal Federal. Naquele ano, por oito votos contra um, os ministros derrubaram a exigência do diploma de curso superior de comunicação social com habilitação em jornalismo para a prática da profissão.
Entenderam que o decreto-lei que tratava do tema afrontava a Constituição. Ao tomar a decisão, o Supremo se apoiou em evidências concretas. Constava que a obrigatoriedade do diploma fazia parte do sistema de controle do regime militar.
Pelo filtro de suposta legalidade, era possível acompanhar, por meio dos registros no Ministério do Trabalho, aqueles que estavam empregados na mídia e, mais do que isso, ter informações atualizadas de todos os que editavam ou financiavam meios de comunicação.
Com a democratização e respaldo da Constituição, ganhava força naquele momento a possibilidade de qualquer cidadão poder expressar suas opiniões livremente, sem nenhum obstáculo de natureza legal, podendo inclusive criar suas próprias publicações jornalísticas.
A obrigatoriedade do diploma, existente apenas em países onde a democracia e a liberdade de expressão sofrem severas ameaças, limita a seleção de profissionais aos que detêm um título, o que empobrece o debate e o fortalecimento de uma sociedade democrática.
O fim do diploma não tem impedido que, na maioria das vezes, as empresas procurem profissionais em faculdades de jornalismo.
O fato é que o fim da obrigatoriedade fez com que as empresas jornalísticas ficassem livres para escolher os profissionais que consideram melhores para as suas demandas e, por consequência, para as dos leitores, abrindo, em lugar de reserva de mercado corporativista, espaço para uma profissão que por origem e formação sempre foi livre.
Hoje, voltar ao tema soa como uma ideia fora do lugar. Não há motivo para incluir na Constituição a regulamentação de uma profissão, por mais relevante que ela seja.
Nesse particular, o princípio geral, fundamento essencial da decisão do Supremo, é a liberdade como cláusula pétrea. Um direito que tem feito história e precisa ser garantido a qualquer cidadão.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

País teve 136 agressões a jornalistas em 2013: Cobertura de protestos motivou alta de 232%

DO RIO
No ano em que os protestos populares tomaram as ruas do Brasil, as agressões a jornalistas no país cresceram 232%, segundo o Conselho de Defesa da Pessoa Humana (CDPH), do governo federal.
Enquanto em 2012 houve 41 casos de violência, em 2013 o número saltou para 136.
O estudo foi apresentado ontem no seminário "A Liberdade de Expressão e o Poder Judiciário", no Rio. Segundo Tarciso Jardim, do CDPH, a alta em 2013 se deveu principalmente aos protestos iniciados em junho. Ele defendeu a criação de um protocolo policial para evitar agressões a jornalistas por parte da polícia e para protegê-los de ataques de manifestantes.
Segundo o levantamento, desde 2009 o Brasil registrou 321 casos de violência contra jornalistas e comunicadores, com 18 assassinatos. Para Guilherme Canela, assessor regional da Unesco, a agressão a jornalistas é um ataque à liberdade de expressão: "Se o cidadão percebe que nem os jornalistas estão protegidos, ele imagina que ele também não está, bem como o seu direito de se expressar".
O seminário, promovido pelo Supremo Tribunal Federal, ONU, OEA e Unesco, teve como objetivo debater o papel do Judiciário na garantia da liberdade de expressão.
"A impunidade retroalimenta a violência. Há lugares em que há poucos casos de violência, mas uma autocensura absurda, porque ameaças anteriores já deram conta do recado", disse Canela.
Folha, 09.04.2014

terça-feira, 11 de março de 2014

Respostas ao racismo - HÉLIO SCHWARTSMAN

SÃO PAULO - Qual a melhor resposta aos episódios de racismo nos estádios? Pelo que andei lendo na mídia, há duas correntes. Uma, mais radical, defende que os estádios onde ocorrem os xingamentos sejam interditados, e os clubes tidos como ligados aos agressores, punidos.
Essa é uma posição absurda, inclusive para os que, como eu, curtem um pouco de utilitarismo. O ponto central é que ela utiliza uma bala de canhão para acertar um mosquito. Milhares de torcedores que nada têm a ver com as ofensas e muito provavelmente as abominam acabam pagando por algo que não fizeram.
Uma medida desse calibre talvez se justificasse --e numa ótica puramente consequencialista--, se acreditássemos que o único objetivo do Estado é impedir manifestações racistas. Como não é --cabe a ele maximizar a felicidade de todos--, fica difícil sustentar a estratégia, que ainda cria a possibilidade de torcedores de um time sabotarem a agremiação rival encenando uma vaia racista.
Para a outra corrente, mais ponderada, é preciso identificar os responsáveis pelos xingamentos e puni-los na forma da lei. Essa é uma posição coerente, mas não gosto muito dela. Admito que é uma idiossincrasia minha, mas penso que a liberdade de expressão deve ser assegurada de forma robusta, abarcando, inclusive, discursos racistas e nazistas.
É John Stuart Mill quem explica o porquê. Para o filósofo inglês, mesmo os piores preconceitos precisam ter sua circulação assegurada, a fim de que as ideias verdadeiras sejam submetidas à contestação e triunfem. Se não for assim, elas próprias serão percebidas como simples preconceitos, sem base racional.
Se Mill está certo, como acho que está, o que de melhor podemos fazer quando surgem ofensas racistas é mostrar, por meio de uma mistura de indignação pública com argumentos, que o racismo é inconsistente e moralmente errado. E isso todo o país, de Dilma a colunistas, está fazendo.
Folha, 11.03.2014

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Reino Unido aprova regulação da imprensa

Rainha assina criação de mais um órgão regulador, que terá código de conduta e poderá multar veículos em até R$ 3,7 mi
Nova regra é fruto de escândalo que levou ao fechamento do 'News of the World'; veículos temem controle político
LEANDRO COLONDE LONDRES
Uma assinatura da rainha Elizabeth 2ª selou ontem a criação de mais um órgão de regulação das atividades da imprensa britânica.
A rainha ratificou a "royal charter", carta real elaborada por membros do governo conservador de David Cameron, com apoio dos trabalhistas, hoje na oposição.
O ato de ontem é um dos principais capítulos do escândalo de 2011 que levou ao fechamento do jornal "News of the World", do empresário australiano Rupert Murdoch, acusado de grampear telefones de maneira ilegal para conseguir informações.
Ontem, jornais e revistas apelaram até o último minuto à Justiça para evitar a assinatura da carta pela rainha. Os pedidos foram rejeitados.
Entre esses veículos estão os jornais "Daily Mail", "The Telegraph", "The Mirror" e "The Times". Eles alegam que não aceitam a fiscalização de um órgão de Estado criado por governo e partidos.
O Reino Unido já tem, desde o início dos anos 90, uma Comissão para Queixas contra a Imprensa --esse órgão, composto por representantes dos veículos, foi acusado de inação diante das denúncias contra o "News of the World".
O novo órgão regulador poderá aplicar multas de até 1 milhão de libras (R$ 3,7 milhões), além de impor correções e pedidos de desculpas por parte de jornais e revistas.
Estabelece ainda um código de conduta que pede "respeito pela privacidade onde não houver suficiente justificativa de interesse público". Qualquer pessoa que alegar ter sido atingida por reportagens poderá acionar o órgão. O texto diz que não há possibilidade de censura prévia.
A regulação é consequência de um inquérito concluído em novembro de 2012, que investigou os tabloides suspeitos de grampo ilegal.
Com a "royal charter", os políticos buscaram respaldo real, que poderá dar vida "estável" ao órgão regulador seja qual for o futuro governo.
Pelas regras, os membros do novo órgão serão indicados de maneira independente --não podem ser editores de jornais nem políticos. Mas o Parlamento pode mudar o estatuto a qualquer momento com a aprovação de dois terços dos parlamentares.
Para jornais e revistas, a brecha traz risco de influência política no controle da imprensa. Na semana passada, os veículos apresentaram uma espécie de "charter paralela". A ideia não foi aceita.
Oficialmente, nenhum veículo é obrigado a aderir às novas regras. Mas, para especialistas, haverá pressão externa incentivando os jornais a aceitarem, até para não dar margem a derrotas em processos na Justiça --o Judiciário estaria aconselhando magistrados a tratar de modo diferente quem aderir ou não às diretrizes do novo órgão.

ANÁLISE
Imprensa britânica vai fazer de conta que ignora 'carta real'
ROY GREENSLADEDO "GUARDIAN"
E agora vem o tiroteio. O Parlamento versus a imprensa. Westminster versus os jornais. David Cameron, Ed Miliband e Nick Clegg versus Rupert Murdoch, Paul Dacre e Guy Black.
Será esse o resultado inevitável da ação fracassada movida pelos publishers de jornais e revistas para tentar impedir que a "carta real", apoiada por todos os partidos, fosse enviada pelo conselho de assessores do governo para aprovação da rainha.
A imprensa fará de conta que ignora a existência da "carta real". Em lugar disso, criará seu próprio sistema, já tendo adiantado planos concretos para a criação de um novo organismo regulador, a Organização Independente de Padrões da Imprensa.
Como acontece nos melhores tiroteios do cinema, haverá um período de gritaria antes de os combatentes de cada lado se darem ao trabalho de procurar suas armas.
Existem dois gatilhos possíveis. Um seria uma ação judicial bem-sucedida contra um veículo de imprensa --por exemplo, por difamação ou invasão de privacidade-- em que se pedisse ao juiz que determinasse o pagamento de indenização exemplar. Outro seria um frenesi de mídia do tipo sofrido por vítimas anteriores, como Chris Jefferies (suspeito de assassinato pela polícia).
Se um ou outro cenário se concretizar, o tiroteio começará. Mas qual será o efeito? Os políticos podem se indignar, mas as chances de legislarem contra a imprensa são virtualmente inexistentes.
Então, o que eles farão para proteger o próximo grupo de vítimas da imprensa?
Quanto aos veículos de imprensa, quem serão seus alvos se os juízes os castigarem? Eles se insurgirão contra o Judiciário e com certeza farão críticas amargas aos políticos. Mas a lei é a lei.
É claro que, se um juiz determinar o pagamento de indenização exemplar por danos, os jornais apelarão, e o caso inevitavelmente irá a Estrasburgo (sede do Parlamento europeu).
Em outras palavras, este é um enfrentamento no qual não haverá vencedor inequívoco. Pode haver feridos pelo caminho. E é provável que o tiroteio nunca acabe.

Fonte: Folha, 31.10.2013